Jesus falou em línguas aqui na Terra?

“A Bíblia diz que Jesus era cheio do Espírito Santo, mas não mostra Ele falando em línguas. Por que o fenômeno não aconteceu, se Ele era cheio do Espírito Santo?”

A questão certamente é motivada pelo fato de Jesus Cristo ser homem (1Tm 2.5), e também pelo uso da expressão “cheio do Espírito” ser, em nosso idioma, a mesma para referir-se a

(1) alguém que está completamente cheio do Espírito (Lc 1.15; 4.1; Jo 3.34),

(2) a quem pontualmente foi “cheio” (Mq 3.8; Lc 1.67),

(3) aos que estão no ininterrupto processo de enchimento (Ef 5.18) e ainda

(4) aos que igualmente experimentaram o fenômeno glossolálico — o falar em línguas (At 2.4; 4.31).

É preciso destacar, contudo, salvo duas exceções, que a expressão “cheio do/com Espírito” é lucana — isto é, só encontra-se no Evangelho de Lucas e em Atos dos Apóstolos.

Não há evidências de que Jesus tenha falado em línguas alguma vez quando esteve aqui na Terra.

Não que Ele não pudesse fazê-lo se quisesse, mas não há registros bíblicos de tê-lo feito e entendemos, à luz da Bíblia, que tal experiência - o falar em línguas — era absolutamente desnecessária.

 

Em primeiro lugar, o Cristo era homem, mas também era Deus. Como afirma o teólogo Stanley Horton, “a humanidade de Jesus não diminuiu, de maneira alguma, a sua divindade.

  

Jesus continha dentro de si a totalidade das qualidades humanas bem como das divinas, sem interferir uma nas outras. Ele era o Deus-homem, não no sentido de ser metade Deus e metade homem. Ele era plenamente Deus. Ele era, também, plenamente homem”

 

Como homem, é fato que o Senhor precisou do Espírito Santo (At 10.38) e deste recebeu orientação no exercício de Seu ministério terreno (Lc 4.14). Porém, a obra do Espírito no ministério de Jesus não foi o batismo no Espírito Santo.

 

O batismo no Espírito tem como função primária o cumprimento da tarefa de evangelização (At 1.8) e secundariamente a função de servir para a autoedificação (1Co 14.4,14). Porém, no caso do Messias, lembra Horton que “Jesus não recebeu a plenitude do Espírito só para operar milagres, mas para prepará-lo a realizar toda a obra de Deus” (p. 103). Assim, o Mestre recebeu o Espírito sem medida (Jo 3.34), porque foi enviado a realizar algo que ultrapassa a missão deixada à Igreja. Como se pode comprovar pelo (Gn 3.15), a obra da Redenção seria realizada por um ser humano, mas não era algo que qualquer um pudesse executar (Hb 9.23-10.18).

 

Em segundo lugar, como destaca o teólogo Anthony D. Palma, “o falar em línguas não havia ocorrido anteriormente ao Pentecostes na história bíblica registrada”.

  

Note-se: na “história bíblica registrada”. Isso significa que tal experiência pode ter sucedido sem que, necessariamente, tenha sido relatada. Descartada tal hipótese, é preciso reconhecer que o problema, no mínimo, oportuniza-nos refletir acerca da imprescindível “relação mútua entre pneumatologia e cristologia” que, como diz Jürgen Moltmann, “deve ser vista como um princípio fundamental da teologia cristã” (O Espírito da Vida, p.77).

 

Finalmente, em terceiro lugar, João Batista batizava com água e disse que Aquele que viria depois dele batizaria com o Espírito Santo e com fogo (Mt 3.11; Lc 3.16). Se parece sem sentido perguntar quem batizou o Batista, mais ainda o é em relação ao Cristo, o qual Deus ungiu com Espírito Santo e com poder (At 10.38).


Se é Jesus quem batiza com Espírito Santo, e se só a partir dEle e por Ele essa experiência seria concedida, não há de se perguntar quem batizou o batizador com Espírito Santo.

Além do mais, se o batismo com o Espírito Santo é, de fato, a “porta” para os dons mais excelentes, Jesus estava além desse “estágio”, pois Ele já possuía tais dons que todos almejamos (1Co 12.31; 14.1-40).

 

Pr. César Moisés Carvalho

Fonte: Mensageiro da Paz, dezembro/2011, p.17

César Moisés Carvalho é pastor, pedagogo, professor universitário, pós-graduado em Teologia pela PUC-RJ e chefe do Setor de Educação Cristã da CPAD.

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