Os açougueiros abatiam animais e preparavam a carne para consumo. Tendo em vista que muitos animais eram valorizados por outras razões que não a carne — as ovelhas pela lã, as cabras pelo leite, e os bois como animais de tração —, eles eram abatidos apenas para festas religiosas ou em ocasiões especiais.
Em muitas culturas, os
açougueiros eram ligados aos templos encarregados da matança ritual de animais
sacrificiais e da divisão das carcaças. O valor da carne e as associações
religiosas com a vida animal limitavam a morte ou a ingestão de certos animais.
A propriedade de comer porcos era controversa, e, em algumas regiões, como o
Egito, mudanças culturais ao longo do tempo colocavam-nos e tiravam-nos da
preferência como fonte de carne.
1. O ANTIGO
TESTAMENTO
O verbo hebraico tabah
descreve a preparação do animal para a festa (o trabalho do açougueiro), ao
passo que o verbo hebraico zabah designa o processo ritual do sacrifício (o
dever sacerdotal). José abateu um animal para seus irmãos visitantes (Gn
43.16). Nabal recusou-se a fazê-lo por Davi e seus homens (1 Sm 25.11). A
palavra também se refere ao massacre de pessoas (Is 34.2). O servo do Senhor
foi conduzido como cordeiro ao matadouro (Is 53.7).
Como substantivo, tabbah
significa açougueiro, cozinheiro ou verdugo, e ocorre 32 vezes no Antigo
Testamento (veja Êx 22.1 [heb. 21.37]; Pv 9.2; 1 Sm 9.23,24). O cognato matbeah
significa quintal do abate. A ocupação de Potifar (sar hat tabbahim) há muito
que tem intrigado os tradutores. O Targum e a Septuaginta chamam Potifar de
“açougueiro, cozinheiro”. A Vulgata chama-o de “chefe do exército”, e o Antigo
Siríaco, de “comandante da guarda”. A frase aramaica cognata pode reter o
sentido de “verdugo principal” em Daniel 2.14.
Em Gósen, os israelitas
deviam estar acostumados com a rica dieta dos egípcios, pois, depois de uma
constante dieta de maná no deserto do Sinai, eles reclamaram: “Quem nos dará
carne a comer?” (Nm 11.4).
Nos tempos do Antigo
Testamento, a carne era um luxo, não uma dieta básica, como eram os grãos, o
vinho e o óleo (Êx 16.3; Dt 11.14). Os hebreus podiam comer animais limpos
(tahor), os animais ruminantes herbívoros, selvagens ou domésticos, com cascos
fendidos e que ruminassem (Dt 14.6). O Pentateuco lista 10 desses animais: boi,
ovelha, cabra, veado, gazela, cabrito montês, cabra silvestre, íbex, antílope e
ovelha montanhesa (Dt 14.4,5). Mas o consumo de animais impuros, como o camelo
e o porco, que têm apenas uma das características exigidas, era proibido. Há 42
animais impuros listados, incluindo o coelho, a lebre e os que escorregam no
chão (Dt 14.7,8; Lv 11.41,42). Os israelitas não podiam comer um animal que
tivesse morrido de causas naturais ou que tivesse sido morto por outro animal.
Tanto os cordeiros como
os bezerros (Gn 18.7,8; 1 Sm 28) eram carne de consumo comum na Idade do
Bronze. A “bruxa” de En-Dor matou um bezerro engordado na ceva quando Saul foi
consultá-la (1 Sm 28.24,25). As provisões diárias de Salomão incluíam “dez
vacas gordas, e vinte vacas de pasto, e cem carneiros, afora os veados, e as
cabras monteses, e os corços, e as aves cevadas” (1 Rs 4.23). Os luxuosos
banquetes condenados por Amós (Am 6.4, ARA) apresentavam “bezerros do
cevadouro”.
A carne era assada, no
caso de um animal pequeno como ovelha ou cabra, ou cozido. Os filhos perversos
de Eli preferiam comer carne assada em vez de carne cozida (1 Sm 2.15). Em uma
metáfora extensa, Ezequiel adverte a rebelde cidade de Jerusalém: “Põe a panela
ao lume, e põe-na, e deita-lhe água dentro, e ajunta nela bons pedaços de
carne, todos os bons pedaços, as pernas e as espáduas, e enche-a de ossos
escolhidos” (Ez 24.3,4).
Era proibido cozer o
cabrito no leite de sua mãe (Êx 23.19; 34.26; Dt 14.21). O antigo apelo a um
texto ugarítico para explicar essa proibição foi abandonado. Em 1929, foram
descobertas em Ras Shamra, na Síria, tabuinhas cuneiformes em um ugarítico
cuneiforme alfabético bastante singular. Em 1934, Charles Virolleaud publicou
um texto importante (CTA, 23), no qual restaurou de forma conjetural a linha
fragmentária 23 assim: tb [h. g] d bhlb, que significa “cozinhar um filhote no
leite” (veja CML, 121). Por cerca de 40 anos, esse paralelo foi citado em
comentários sobre os livros de Êxodo e Levítico (Cassuto, 305). Mas, após uma
análise mais aprofundada do texto por estudiosos de ugarítico, dúvidas foram
levantadas sobre o paralelismo proposto aos textos bíblicos: o verbo ugarítico tbh
significa “sacrificar (algumas vezes por abate)”, e não “cozinhar”; a palavra
normal para designar “filhote” em ugarítico é gdy, enquanto gd
significa “coentro” (CRAIGIE, p. 155-159; veja também SASSON), e, assim, um
melhor entendimento do texto ugarítico é “sacrificar [a uma divindade] coentro
com [ou possivelmente no] leite”. Portanto, não há paralelos extrabíblicos
claros à proibição deuteronômica. Antes do Sinai, quando Abraão recebeu três
visitantes misteriosos, ele não teve escrúpulos em servir carne com leite (Gn
18.7,8). Há estudiosos que sugerem que a palavra para referir-se a “leite”
(heleb) deveria ser revocalizada como a palavra para referir-se a “gordura”
(heleb\ proibindo, assim, matar a própria mãe para usar sua gordura para
cozinhar o seu filhote.
A gordura que envolve os
rins e os intestinos, assim como a cauda gorda das ovelhas (Lv 3.9), deveria
ser queimada pelos sacerdotes (Lv 3.3,4,10,14-16) como oferta ao Senhor. O
texto de Levítico 7.23 diz: “Fala aos filhos de Israel, dizendo: Nenhuma
gordura de boi, nem de carneiro, nem de cabra comereis”.
Após o Dilúvio, Noé e sua
família receberam esta instrução: “Tudo quanto se move, que é vivente, será
para vosso mantimento; tudo vos tenho dado, como a erva verde. A carne, porém,
com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis” (Gn 9.3,4). Posto que “a
alma [vida] da carne está no sangue”, a ingestão do sangue do animal abatido
era repetidamente proibida (Lv 3.17; 17.10-14; Dt 12.15,16; 1 Sm 14.31-35; Ez
33.25).
2. O NOVO
TESTAMENTO
O Novo Testamento usa sphazein
(“abater”; substantivo sphagè) tanto para referir-se à perseguição dos
justos (Rm 8.36) como para o sacrifício de animais (At 7.42).
Na Parábola das Bodas, o
convite ao banquete continha esta declaração: “Os meus bois e cevados já
mortos, e tudo já pronto; vinde às bodas” (Mt 22.4). O filho pródigo foi
alimentado com o bezerro cevado pelo feliz pai (Lc 15.23-27). Pela amarga reclamação
do irmão mais velho, depreendemos que um cabrito era a carne mais barata
disponível (Lc 15.29).
Jesus declarou que não é
o que o homem come que o contamina, mas somente o que sai dele: “Ao dizer isso,
Jesus declarou ‘puros’ todos os alimentos” (Mc 7.19, NVI). Em estado de muita
fome em um telhado em Jope, Pedro teve uma visão repetida de todos os tipos de
animais, quando lhe foi dito: “Levanta-te, Pedro! Mata e come” (At 10.13). Ele
tinha a absoluta certeza de que Deus havia purificado esses animais até então
impuros, anunciando, assim, a aceitação de gentios como Cornélio, que viria a
ele para ser batizado.
O Concílio de Jerusalém,
presidido por Tiago, concordou com Paulo e Pedro que os gentios convertidos não
precisavam ser circuncidados, mas estipulou: “Que vos abstenhais das coisas
sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da fornicação” (At
15.29). As igrejas em Pérgamo e a igreja em Tiatira foram repreendidas por
permitir que houvessem aqueles que comessem alimentos sacrificados aos ídolos
(Ap 2.14,20).
A palavra latina para
referir-se ao mercado de carne é macellum, que, em outros contextos,
significa “mercado”. Paulo usou-a quando permitiu que os crentes coríntios
comessem “tudo quanto se vende no açougue (makelion), sem perguntar
nada, por causa da consciência” (1 Co 10.25). Nos tempos do Novo Testamento, a
maioria das carnes da mesa tinha sido sacrificada a divindades pagãs (eidolothutorìj.
Mas se alguém levantasse a questão de que fora hierothutos (“oferecida
em sacrifício”), então o cristão deveria abster-se por causa da pessoa que
tinha escrúpulos sobre a origem da carne. E provável que a carne de animais
sacrificados fosse de melhor qualidade e custasse mais, de modo que somente os
cristãos mais ricos pudessem comprá-la.
Em Corinto, uma inscrição
de Quinto Cornélio Segundo, datada do século I a.C., registra a construção de
um macellu [m (...) et pi] scario”, indicando que o mercado de
carne estava associado a um piscarium, lugar onde se vendia peixe. O macellum
foi identificado com um grande edifício ao norte do arcaico templo de
Apoio, com 30 lojas dispostas em torno de um pátio central.
Contra os que insistiam
que os cristãos abstivessem-se do casamento e de certos alimentos, Paulo
afirmou: “Porque toda criatura de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo
recebido com ações de graças, porque, pela palavra de Deus e pela oração, é
santificada” (1 Tm 4.4,5). Por outro lado, se comer carne pode fazer alguém
tropeçar, Paulo declarou: “Pelo que, se o manjar escandalizar a meu irmão,
nunca mais comerei carne, para que meu irmão não se escandalize” (1 Co 8.13).
3. O MUNDO DO
ORIENTE PRÓXIMO
Milhares de tabuinhas de
argila em sumério do período de Ur III listam animais para entrega ao abate,
com vistas à obtenção de carne aos templos, aos soldados e até aos
prisioneiros. Um matadouro em Lagash servia o seu templo. De Mari (1780 a.C.),
temos centenas de tabuinhas de calendário, que listam a carne suprida por açougueiros
para o cardápio diário do rei. Um texto de Mari refere-se a um boi que fora
engordado para o palácio e que mal podia ficar de pé. A carne de porco gorda
era considerada deliciosa demais para alimentar os criados. As tabuinhas de
Nuzi (ca. 1400 a.C.) referem-se aos seus habitantes comendo carne de cavalo.
Textos neoassírios descrevem o abate de animais e a esfola e corte de suas
carcaças. Em um relevo, uma ovelha de cauda gorda, colocada em uma bancada, tem
um corte no pescoço por onde escoa seu sangue, o qual é coletado em uma bacia.
Os nômades amorreus,
antes de estabelecerem-se, eram conhecidos por comer carne crua. Numerosas
receitas acadianas (datadas ca. 1750 a.C.) de ensopados foram recuperadas,
incluindo as receitas de cabrito com pernil de carneiro. Alguns textos falam em
“encher um intestino”, isto é, fazer salsichas.
Evidências arqueológicas
sugerem que, na Idade do Bronze Média, a carne de cabra era o principal
cardápio das tribos seminômades. Nas comunidades rurais, consumiam-se ovelhas.
Durante a Idade do Ferro em Tell Dan, a carne bovina predominava. Em Tel Miqne,
sítio arqueológico da cidade filisteia de Ecrom, consumiam-se carne bovina e
suína. Durante a Idade do Bronze Média, em Tell Jemmeh, o gado era abatido
quando estava totalmente adulto, e os porcos eram abatidos entre a idade de
seis e 12 meses. Entre metade e três quartos das ovelhas e cabras eram abatidas
antes de completarem um ano.
A palavra egípcia mais
comum para referir-se a açougueiro era sjtw, literalmente, “aquele que abate ou
faz sacrifícios”. Outro termo era “diretor daqueles com pedras de amolar”,
instrumentos que eram usados para afiar facas. Os templos teriam açougueiros
próprios em seu “Departamento de Carnes” para o abate diário de animais.
Depois do Antigo Império,
quase todos os túmulos têm cenas de açougues. Durante o Império Médio, modelos
de madeira ilustravam o procedimento. O modelo único de Meketre, de Deir
el-Bahri, representa um matadouro com vários níveis. Alguns templos, como o
templo de culto a Seti I, em Abidos, tinham matadouros próprios, ou seja,
matadouros onde se encontravam ferramentas para abate.
Textos hieroglíficos
contam como açougueiros egípcios realizavam seu ofício. Quatro ou cinco subjugavam
o boi. Depois de amarrar a perna dianteira esquerda com um nó deslizante, eles
jogavam a corda por cima do dorso do animal e puxavam-na. Pego desequilibrado,
o animal caía ao chão. Rapidamente, os homens amarravam as pernas dele juntas.
Nessa posição indefesa, a garganta era-lhe cortada. Bombear a perna dianteira
forçava o sangue a jorrar. Os açougueiros recolhiam o sangue em um vaso. Se o
matadouro situava-se ao lado de um templo, um sacerdote apresentava-se. O
açougueiro, então, estendia o punho completamente ensanguentado sob o nariz do
sacerdote, exclamando: “Eis este sangue”. O sacerdote respondia: “É puro”
(MONTET, p. 77, 78).
Depois de ser esfolado, o
animal era estripado com o coração oferecido ao deus. Animais menores, como
cabras, eram pendurados em uma árvore, a garganta era cortada e, em seguida,
eviscerados. A gordura era fervida, coada e depois armazenada. Algumas vacas de
engorda eram alimentadas à força com bolotas de massa para ficarem obesas e
quase incapazes de andar.
Heródoto (Hist. 2.47),
que visitou o Egito no século V a.C., relatou que os egípcios nunca tocavam em
porcos. Não era o que ocorria no antigo Egito. Ame notepe
III deu mil porcos e mil leitões ao templo de Ptá, em Mênfis. O ofício de
“Supervisor de Suínos” é atestado no reinado de Sesóstris I. Seti tinha porcos
criados no templo de Osíris, em Abidos.
Evidências faunísticas da
aldeia dos operários em Amarna indicam que porcos e cabras eram criados e
depois mortos nesta área. A maioria dos bovinos era abatida com cutelos, ao
passo que os porcos e cabras eram mais cuidadosamente abatidos com facas. O grande
templo de Aton tinha um açougue. Ali perto ficava a casa de Panehsy, supervisor
do gado do Aton.
4. O MUNDO
GRECO-ROMANO
No mundo grego e no
romano, a carne de porco era uma das carnes preferidas. Na Odisseia, de Homero,
Ulisses ordena aos seus servos: “Matem imediatamente o melhor dos porcos” (Od.
24:215). O épico homérico fala de hecatombes, ou seja, do sacrifício de 100
bois. Durante a Era Clássica (século V a.C.), centenas de bois eram
sacrificados no grande altar de Atenas.
No mundo grego, ovelhas,
cabras e bois de diferentes idades e qualidades eram especificados para
diferentes festas e ocasiões como sacrifícios. O animal era levado ao altar,
golpeado e morto. Principalmente os ossos e a gordura eram queimados como a
porção do deus. Outras porções colocadas na mesa do deus eram comidas pelos
sacerdotes e adoradores.
As evidências faunísticas
do micênico “Palácio de Nestor”, em Pilos, sugerem que os animais eram abatidos
perto do palácio. O grande número de ossos de 10 animais bovinos em um único
depósito indica que duas ou mais toneladas de carne eram fornecidas para uma
grande festa. Uma tabuinha com texto em Linear B proveniente de Pilos (Un03)
lista uma oferta para o rei: um boi, vinte e seis carneiros, seis ovelhas, dois
bodes, duas cabras, um porco de engorda e seis porcas (VENTRIS e CHADWICK, p.
221).
Em Roma, a palavra lanius
(“açougueiro”) é derivada de laniare (“cortar carne”). Segundo o
Aldrabrão, de Plauto, os açougueiros abatiam os animais fora da porta,
provavelmente a Porta Capena. Os açougues eram conhecidos como lanienae.
Plauto fala do logro dos açougueiros, que vendiam carne de carneiro dura
alegando que se tratava de carne de cordeiro. Cícero enumera a profissão de
açougueiro como uma das ocupações que estava abaixo da dignidade de cidadão.
Muitos açougueiros eram libertos, ou seja, ex-escravos.
Em Roma, havia
associações de lanii (açougueiros) desde a época de fins da República.
Alguns dos macellarii (“comerciantes”) eram açougueiros, como Júlio Vitali,
cuja lápide mostra-o cortando a cabeça de um porco, com postas de carne e
ferramentaria para açougue pendurados na parede de sua loja. Outra inscrição em
memória de um açougueiro mostra um culter (faca) e um bucranium (crânio de boi
decorativamente trabalhado).
Uma combinação comum de
oferta ao deus Marte era a suovetaurilia, que consistia no sacrifício de um
porco (sus), um carneiro (pvis) e um touro (taurus). O animal era golpeado, a
garganta cortada e as entranhas examinadas. Era estripado, e as sobras e
gordura eram queimadas no altar, enquanto a carne seria feita em pedaços e
depois consumida, com o excedente colocado à venda.
O homem que golpeava o
touro chamava-se popa', o homem que cortava a garganta era o cultraris, e o
homem que empunhava o machado para cortar a cabeça era o victimańus. A carne
fica mais tenra se for cozida antes de o rigor mortis estabelecer-se em 12
horas, de modo que, tanto quanto possível, era comida no local do abate, com o
excedente rapidamente transportado para um mercado de carnes.
No macellum, em Pompeia,
esqueletos inteiros de ovelhas mortas pela erupção do Vesúvio em 79 d. C.
indicam que não só os animais eram abatidos nas fazendas, mas também que alguns
eram abatidos no próprio estabelecimento. A carne era conservada por secagem,
defumação, salga ou salmoura. A carne de porco era salgada e depois defumada.
Os romanos valorizavam os
porcos, principal fonte de carne, pois eram facilmente alimentados com bolotas
e produziam duas ninhadas por ano com até 10 leitões por ninhada. O latim tem
mais termos referentes aos suínos do que a outro animal. Consideravam os
leitõezinhos como iguaria, assim como os presuntos defumados e as salsichas de
porco. Os romanos também gostavam do sabor do javali, particularmente dos que
haviam sido engordados em pocilgas.
Uma iguaria peculiarmente
romana era um roedor engordado conhecido como rato de campo. Na obra Satíricon,
de Petrônio, o liberto e rico Trimálquio servia ratos de campo com mel e
cobertos com sementes de papoula.
A carne era mais
frequentemente cozida ou assada. Apício lista mais de 50 receitas de carne
cozida e mais de 40 de carne assada. Como a carne cozida era um tanto sem
graça, os romanos comiam-na comparam, molho feito de peixe fermentado. Os
leitõezinhos eram assados, e miudezas como fígado e rins eram fritos. Apício
fornece receitas para refeições que contêm vísceras, como rins, fígado,
estômago, útero e úberes.
Celso, o enciclopedista
da medicina, recomendava, como benéfico para o estômago, carne de boi e outros
tipos de carne, miúdos de porco incluindo pés, orelhas e útero. O hipocondríaco
Elio Aristides, ao receber o oráculo de que “ele viveria enquanto a vaca
vivesse no campo”, abstinha-se de carne bovina. Por outro lado, Maximino I,
rival de Constantino, abstinha-se de verduras e tinha a reputação de consumir
40 quilos de carne por dia (H.A., The Two Maximini, 4.1).
5. O MUNDO
JUDAICO
Foi a tentativa de
Antíoco IV em 167 a.C. de helenizar os judeus, proibindo a circuncisão,
abatendo uma porca no Templo e forçando os judeus, sob pena de morte, a comer
carne de porco, que provocou o martírio e, em seguida, a Revolta Macabeia. Sete
de seus filhos e sua mãe preferiram morrer em vez de comer a carne proibida (2
Mc 7). Um judeu idoso chamado Eleazar recusou a oferta de fingir comer carne de
porco para salvar-se (4 Mc 6.16-20).
Em 40 d.C., o imperador
Gaio Caligula perguntou a Fílon, que viera a Roma como embaixador dos judeus de
Alexandria: “Por que vocês não comem carne de porco?”. Os judeus ressaltaram
que há pessoas que não comiam cordeiro. Tanto o satirista Petrônio (fragmento
37) quanto Plutarco (Quaest. Conv. 4.5.1) sustentavam que os judeus não comiam
carne de porco, porque adoravam ou um deus-porco ou o porco. Tácito {Hist.
5.4.2) comentou que era porque os israelitas haviam contraído lepra de porcos
no Egito.
O Manuscrito do Templo
(34.7) descreve o matadouro dentro do recinto do templo da seguinte forma:
Depois de terem os sacerdotes amarrado a cabeça dos touros aos anéis, “eles os
abaterão (twbhyni) e coletarão [todo o sangue] em tigelas para borrifar as
fundações do altar e tudo ao redor”.
O Talmude sustenta que
até o tempo de Noé, o consumo de carne era proibido (b. Sank. 59b; veja Gn
1.29; 9.3). Um tratado inteiro da Mishná, Hullin (“animais mortos para
alimentação”), é dedicado ao abate de animais para obtenção de carne. A carne
oferecida aos ídolos é proibida: “A carne que entra para o ídolo é permitida,
mas a que sai é proibida” (m. ‘Abod. Zar- 2-3). Tal carne causa a mesma
impureza do que um cadáver (à Hui. 13b).
Os açougueiros judeus
observavam a regra de descartar os tendões do quadril (Gn 32.32), tanto dentro
quanto fora de Israel, de animais não consagrados e ofertas de animais (m. Hui.
7.1-6). O rabino Judá acreditava que até os açougueiros mais respeitáveis eram
parceiros de Amaleque (m. Qidd. 4.14). O que era abatido pelos gentios era
considerado como carniça (m. Hui. 1.1).
A proibição de cozinhar o
filhote no leite de sua mãe tornou-se a base no Talmude para a separação de
pratos de leite e de carne (b. Hui. 113b-116b). O Talmude também proibia a
cozedura de carne com peixe (b. Pesah. 76b; b. H.ul. 103b), porque isso poderia
causar “[mau] aroma e/ou lepra”.
6. O MUNDO
CRISTÃO
O Didaquê exortou: “A
respeito da comida, observe o que puder. Não coma nada do que é sacrificado aos
ídolos (eidolothutou), pois esse culto é destinado a deuses mortos” (Did. 6.3).
Justino Mártir, na obra Diálogo com Trifao, afirmou: “Aqueles que, vindos das
nações, conheceram a Deus, criador do universo, por meio de Jesus Cristo
crucificado. Esses suportam todo tormento e castigo, até o extremo da morte,
para não cometer idolatria, nem comer nada oferecido aos ídolos” (Dial. 34).
Plínio, o Jovem, na carta
a Trajano relatou o sucesso de sua repressão aos cristãos, com o resultado de
que “os ritos sagrados, que haviam sido autorizados a serem executados, estão
sendo realizados novamente, e a carne de vítimas sacrificadas está à venda em
todo lugar, embora até recentemente, mal se encontrava alguém para comprá-la”
(Ep. Tra. 10.96).
Na perseguição romana aos
cristãos movida por Décio (ca. 250 d.C.), os cristãos eram obrigados a
sacrificar aos deuses do império, derramar libação e comer carne sacrificial
sob pena de morte, caso não o fizessem. Alguns cristãos condescenderam com a
compra de um libellus, que certificava que haviam feito esses atos mesmo quando
não o haviam feito.
Tendo em vista que os
seguidores de hereges como Taciano, Marcião e Mani evitavam o consumo de carne,
o cânon 14 do Concílio de Ancira (314 d.C.) estipulou: “Fica decretado que
entre o clero, presbíteros e diáconos que se abstêm de carne deverão prová-la e
depois, se assim o desejarem, poderão abster-se. Mas, se a desdenharem e nem
mesmo comerem carne com ervas servidas, mas desobedecerem ao cânon, que sejam
retirados de sua ordem”.
Artigo: Edwin M.
Yamauchi
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